A afirmação do presidente Bolsonaro sobre canibalismo entre indígenas na região de Surucucu, é mentirosa repulsiva, ofensiva e causadora de indignação entre os indígenas. É o que afirma Júnior Yanomami, presidente do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) dos Yanomami e Ye’kuana.”Estou indignado, com raiva. Como um presidente que é candidato fala isso? Ele é uma pessoa que não conhece o Brasil. Meu povo não é canibal, não come humanos. Isso não existe nem nunca existiu, nem entre ancestrais”, diz Júnior à Folha.
O presidente do Condisi é da região de Surucucu, uma das maiores áreas da Terra Indígena Yanomami, na região de Alto Alegre (RR). Ali vivem 3,5 mil
O antropólogo Rogério Pateo, professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), morou em Surucucu por nove meses para um doutorado sobre os indígenas. O convívio com eles se dá desde 1998. Para Pateo, a referência de Bolsonaro é aos yanomami da região de Surucucu em Roraima.
“O que ele fala é um delírio. É uma coisa absurda num nível. Típica de quem vive nessa bolha de preconceito contra os indígenas. Os yanomamis têm códigos alimentares rigorosos. Eles não comem nem carne de bicho mal passada”, afirma o antropólogo, que disse não saber de nenhuma prática de canibalismo entre outros indígenas brasileiros.
As afirmações de Bolsonaro, feitas quando era deputado federal, ressurgiram nas redes sociais e foram exploradas pela campanha do ex-presidente Lula (PT), que levou as falas à propaganda eleitoral na TV. A campanha de Bolsonaro disse que acionará o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra o vídeo.
O vídeo está no próprio canal de Bolsonaro no Youtube. Ele identifica o material, que tem mais de uma hora de duração, como uma entrevista dada ao jornal The New York Times. A data da postagem é 24 de março de 2016.
“Quase comi um índio em Surucucu uma vez”, afirma o então deputado no vídeo. Bolsonaro diz ter estado uma vez em Surucucu. “Comecei a ver lá as mulheres índias passando com um carregamento de bananas nas costas. E o índio passa limpando os dentes com capim. “O que está acontecendo?’ Eu vi muita gente andando. “Morreu um índio e eles estão cozinhando.’ Eles cozinham o índio.”
Bolsonaro prossegue na fala ao jornalista: “É a cultura deles. Bota o corpo. É para comer. Cozinha por dois, três dias, e come com banana. E daí eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara: “Se for, tem de comer. “Eu como. Aí da comitiva ninguém quis ir.”
O então deputado ainda reforça: “Eu comeria o índio sem problema nenhum. É cultura deles”.
Não existe essa cultura, nem hábito, nem prática, nem histórico de ações do tipo entre os yanomamis de Surucucu, segundo Junior Yanomami, que nasceu e cresceu na comunidade, onde permanece com a família.
“Não tinha conhecimento dessa fala de Bolsonaro”, diz Júnior.
Ele detalha como funcionam os rituais fúnebres entre os yanomamis. Primeiro, são dois dias de reunião entre os indígenas. Depois, duas pessoas são escolhidas para colocar o corpo na floresta adentro, onde fica entre 30 e 45 dias, guardado e suspenso em estruturas finas de madeira.
Em seguida ocorre a cremação, e as cinzas são guardadas em utensílios. Se o indígena que morreu é uma pessoa considerada importante para a comunidade, como um pajé, uma liderança ou um caçador, a retenção das cinzas pode durar anos. E pode haver repartição do material entre os indígenas.
“O que Bolsonaro disse ofende e chateia muito. Não há nenhum registro de que ele tenha ido a Surucucu”, afirma Júnior. “A sociedade vai pensar que somos canibais. Essa pessoa não está bem da cabeça. Não tem o que oferecer ao Brasil.”
Para o antropólogo Rogerio Pateo, o que Bolsonaro faz é reproduzir uma imagem de desenho animado.
“Os relatos que existem são sobre guerreiros tupinambás, no litoral e no século 16, capturarem e assarem inimigos””, afirma. “Os yanomamis não comem nem carne de onça, porque dizem que onça come gente.”
Segundo Pateo, as afirmações de Bolsonaro são a manifestação de um “preconceito num nível baixíssimo”. “Ele tem na cabeça aquela imagem que assustou a Europa 500 anos atrás. É preconceito e racismo. Atualmente, não há resquício dessa imagem de canibalismo entre indígenas brasileiros.”
Veja Vídeo:
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por Redação 2JN – Folha De SP
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