Usuários do SUS denunciam caos na saúde de Dias d´Ávila

Surtos psicóticos, falta de remédios, demora para marcação de consultas e exames são rotina no município
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A morte de uma idosa no último dia 12, espancada em via pública quando colocava o lixo para fora de casa, acendeu o alerta para a grave situação de desassistência aos pacientes psiquiátricos de Dias d´Ávila, na Região Metropolitana de Salvador.

O autor do homicídio é paciente do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e se encontrava em surto após fugir da UPA, para onde foi levado após ser denunciado à polícia. O último atendimento dele foi em novembro de 2021, há mais de um ano.

A família do homem deixou a cidade após sofrer ameaças. Ele foi linchado por populares e agora se encontra internado, sob custódia. Com histórico de surtos, chegou a mutilar o próprio órgão genital. Mas, ele não é o primeiro nem o mais recente caso de surto psiquiátrico no município.

Nos últimos dois anos têm sido frequentes as denúncias de falta de atendimento especializado e medicamentos no CAPS de Dias d´Ávila e casos como esse se tornaram corriqueiros. Em abril de 2021, um idoso depredou o posto de saúde do bairro da Urbis após ter um atendimento recusado.

Em julho de 2021, Angélica Batista da Silva, paciente psiquiátrica da rede municipal, matou a mãe, Anita Batista, a golpes de marreta. Presa, tirou a própria vida na carceragem da 25ª delegacia de Dias d´Ávila.

De volta a 2023, no dia seguinte ao homicídio da idosa, a 36ª CIPM do município atendeu a um novo chamado para conter um surto. O homem vítima do transtorno psiquiátrico destruiu toda a mobília da casa onde vive com a família.

Ana* prefere manter sua identidade em sigilo. O irmão dela sofre com depressão e é paciente do CAPS há 10 anos. Ele faz uso de quatro medicamentos, antes fornecidos pela gestão passada. “Com essa nova gestão, começou a faltar medicação injetável. Precisou comprar, R$ 250 a ampola, só vende a caixa com cinco”, diz Ana, que alega que outros medicamentos também faltam. “Nunca vem completo, sempre tá faltando algum medicamento e nós temos que comprar, no cartão, pra ele não ficar sem a medicação e não ter um surto. E quem não tem a família e nem condições de comprar”?

Abandono

A falta de remédios e o serviço precário oferecido no CAPS são apenas a ponta mais visível de um processo de sucateamento da saúde do município. A gestão do prefeito Alberto Castro (PSDB), iniciada em janeiro de 2021, desmontou toda a rede de assistência à saúde local.

Pelo menos é o que dizem profissionais que trabalham, ou trabalhavam, nas unidades de atendimento e também pacientes, que sofrem na pele o abandono e o descaso denunciados frequentemente nas redes sociais e meios de comunicação da cidade.

Segundo esses relatos, há falta de medicamentos não só no CAPS , mas em todas as unidades de saúde. A dificuldade de agendamento de consultas ou exames, agravada pela centralização das marcações, com filas quilométricas, são registros recorrentes no serviço público de saúde local.

Flávio de Barros é diabético, hipertenso e tem labirintite. Em junho de 2022 iniciou um programa de tratamento na policlínica de Simões Filho, da qual Dias d´Ávila é consorciada. Morador da zona rural, na localidade de Leandrinho, Flávio precisou amputar o dedo e aguardou a vaga na regulação internado na UPA, onde foi informado que não teria os antibióticos necessários até conseguir a transferência. Precisou comprar do próprio bolso até realizar a amputação no HGC (Hospital Geral de Camaçari).

Durante o pós-operatório foi encaminhado ao posto médico do seu bairro para fazer os curativos, mas “nunca chegou material completo, sempre vinha faltando esparadrapo, luva, gaze, óleo de mamona (cicatrizante)“, lembra o paciente.

Hoje, Flávio pena para marcar consulta com um angiologista e também aguarda informações para confeccionar um calçado especial, mas sem previsão de atendimento. “Estou sem saber o que fazer. Estou abandonado pela secretaria de saúde de Dias d´Ávila. Suspenderam minha cesta básica, mesmo com o encaminhamento”, indigna-se.



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Marta* é hipertensa e desde agosto não recebe a medicação que deveria ser de uso contínuo. Além disso, aguarda há dois anos por um exame de ultrassom. A espera é tão grande que, segundo ela, “o grampo enferrujou na pasta da central de marcação”, referindo-se à requisição anexada ao seu prontuário.

Em busca de atendimento, ela, como tantos outros, se submete a uma rotina de humilhação e insegurança. Com a centralização da marcação, antes realizada nos bairros, ela vai andando de casa para aventurar uma senha de atendimento. Sai às 4 horas da madrugada, com tudo escuro, e enfrenta uma hora de caminhada. “A gente fica com medo, mas tem que se apegar com Deus”, resigna-se.

A tão esperada ficha começa a ser distribuída somente às 8 horas e muitas vezes ela e muitos outros voltam para casa sem agendamento. “Aqui em Dias d´Ávila é complicado fazer exame, tem que ir pra Camaçari, Simões Filho ou Salvador”, relata.

Como se não bastasse, pacientes cadastrados há anos na rede municipal estão tendo que se sujeitar a um verdadeiro jogo de empurra para renovar suas receitas e retirar os remédios, que quase nunca estão disponíveis. Como conta Scarlat Santos, engenheira de produção, que se revolta com o tratamento dedicado ao pai, hipertenso e diabético.

Com o reordenamento dos postos, o pai, que nunca mudou de endereço, teve seu cadastro transferido para outro bairro. Sem poder retirar os remédios, o senhor também não sabe quando poderá realizar a consulta no novo posto e retomar o tratamento.

Terra arrasada

Além da redução da oferta de medicamentos, consultas e exames, profissionais que atuam nas unidades de saúde de Dias d´Ávila relatam, sob anonimato, situações que refletem diretamente na assistência, ou ausência dela, à população.

Regina*, ex-funcionária da UPA, denuncia a contratação de pessoas sem experiência, logo após a mudança de gestão. Também na unidade de pronto-atendimento 24 horas, principal porta de entrada do SUS no município, a falta de material comprometeu o serviço prestado.

“Faltava agulha, gel, escalpe, luva, a gente atendia sem EPI´s (equipamentos de proteção individual) vítimas de facada, só Deus sabe o que cada um daquela equipe passou”, lembra Regina, que foi demitida após ser infectada pela segunda vez pelo coronavírus. Ela acredita que a contaminação foi provocada pela mudança na triagem dos casos suspeitos de Covid-19.

O hospital, onde funcionava a Central de Atendimento do Covid, ou covidário, foi fechado sem motivo aparente (foi reaberto no ano passado) e os pacientes com suspeita de infecção passaram a ser encaminhados para a UPA. Isso, além de expor pacientes e funcionários ao vírus, provocou um avanço acelerado do número de casos e mortes.

Até o final de dezembro de 2020, primeiro ano da pandemia, Dias d´Ávila somou 1.749 casos e 43 mortes. Em dois meses, o número de casos dobrou (3.585) e as mortes cresceram quase 50% (63). Ao final de abril, o município chegou a 128 mortes, praticamente o triplo do registrado no ano anterior.

Boa parte dessas mortes pode ter sido provocada, além do aumento do contágio, pela inexperiência de parte dos profissionais. Relatos internos e anônimos, sugerem a entubação de pacientes por médicos recém-formados, sem a devida prática na medicina intensiva.

Oposição denunciou

A polêmica envolvendo a saúde de Dias d´Ávila foi objeto de várias discussões na Câmara do município. O vereador Cleiton Lima (PSD), que presidiu a comissão de finanças no biênio 2021/2022, aponta os problemas verificados na atual gestão.

Ele e outros edis acompanharam a transição da gestão anterior e atestaram que a farmácia central estava totalmente abastecida. Segundo Cleiton, nos 90 dias iniciais da gestão os estoques foram mantidos, até que a prefeitura rompeu o contrato vigente e fez uma nova licitação.

O vereador de oposição lembra que após um ano sem abastecimento, a prefeitura aderiu à ata de registro de preços da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) mas, ainda assim, o volume de compras do estado e das grandes redes de farmácia sufocou os pedidos da cidade.

A prefeitura justifica a interrupção do fornecimento em função da falta de insumos por conta da Covid e até mesmo da guerra na Ucrânia. Mas, o vereador observa que “outros municípios não ficaram sem remédio” e questiona por que a prefeitura não realizou nenhuma compra emergencial, o que seria permitido pela lei de licitações. “O que não pode é o município ficar sem medicamento”.

*Nomes fictícios



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por Redação 2JN

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