Erro em reconhecimento fotográfico prendeu ao menos três inocentes na Bahia
Coordenador da pesquisa, o defensor público Maurício Saporito reclama que não existe protocolo com a finalidade de regularizar fotografias usadas durante a investigação. Ele explica que as fotos para reconhecimento podem ser retiradas do RG, redes sociais ou de registros pessoais feitos por policiais nas delegacias e enviados para bancos de dados informais. Assim, quando uma vítima registra queixa, os agentes separam quem já foi preso pelo crime denunciado e apresentam as fotos ao denunciante.
O defensor ainda afirma que o reconhecimento, na visão dos policiais, passou a ser considerado como “rainha das provas”, suficiente para condenar alguém. Neste caso, não há investigação aprofundada do caso. “Um rapaz foi reconhecido [através do método fotográfico] mas estava preso no dia do fato. Nem a busca no sistema foi feita”, conta sobre um caso em Salvador.
“O reconhecimento fotográfico no Brasil sequer existe, o que temos é um arremedo, uso de álbum de suspeito para identificar pessoas pretas e indesejáveis. É mais um equipamento do sistema penal a serviço do racismo”, argumenta o juiz de Direito André Nicolitt.
O método é eficaz quando aplicado mediante artigo 226 do Código do Processo Penal, cuja orientação é apresentar pessoas parecidas com o suspeito durante a investigação. A análise deve ser adicionada a outras medidas, a exemplo da busca de mais testemunhas. Apreensão de provas e perícia são necessárias dependendo da acusação, visto que o método é passível de erro”, aponta a advogada Tatiana Coutinho, especialista em privacidade e proteção de dados.
Racismo estrutural
O racismo estrutural é um dos fatores que induz a técnica do reconhecimento fotográfico ao erro. Quando as fotos são mostradas, as vítimas podem relacionar, por estresse, falsa memória ou discriminação, características visuais genéricas do assaltante com pessoas da mesma cor, conduzindo a identificação ao erro, explica o defensor.
Os homens, citados no relatório, presos na serventia da 1ª Vara Criminal da Capital, 1ª Vara Criminal da Comarca de Porto Seguro e 2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Seguro eram negros. Dois foram presos durante o processo, um por 11 meses e outro por cerca de 10 meses. A absolvição de ambos foi por ausência de provas, afirma o defensor.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP/BA) solicitando esclarecimento sobre os casos ou posicionamento acerca do uso do método. A entidade orientou a procura pela Polícia Civil, que não retornou a solicitação.
Em outro caso, fora do estado, um homem ficou preso por aproximadamente dois anos e três meses com base apenas em um reconhecimento pessoal por fotografia realizado durante a investigação policial, mostra a pesquisa. A média para os casos estudados é de 8 a 9 meses.
Tatiana Coutinho associa o procedimento ao período de escravidão, quando autoridades mantinham registros fotográficos de escravos presos. “Manter esse método de apuração é perpetuar estruturas escravagistas, além de contribuir para a consolidação de uma cultura já presente no tecido social, como o encarceramento em massa da população negra”, aponta.
“Partindo do princípio de que o comportamento dos indivíduos é fundamentado em uma sociedade em que o racismo é a regra, podemos afirmar que os processos institucionais derivam da própria estrutura social que reproduz o racismo sistematicamente nas organizações políticas, econômicas e jurídicas, o que denominamos por racismo estrutural”, conceitua Tatiana.
Segundo outro estudo, o Relatório das Audiências de Custódia em Salvador em 2019 lançado pela DPE, das 5.153 pessoas presas em flagrante durante este período em Salvador, 4.804 dos custodiados eram homens e 349 eram mulheres. Deste total, 97,8% se autodeclararam pretos/pardos e 2,2%, brancos.
O levantamento revelou que pretos e pardos correspondem a 41,4% da população que responde à prisão preventiva, enquanto brancos equivalem a 33,7%. Por consequência, a possibilidade de uma pessoa negra ser presa, fotografada e utilizada nos reconhecimentos fotográficos também aumenta, aponta o defensor.
“Isso acontece porque vivemos em um país racista, onde o Judiciário, a polícia, pessoas específicas para cuidar da segurança têm na sua formação o preconceito de achar que todos os negros são suspeitos, portanto, culpados. Essa pesquisa demonstra o jeito perverso do brasileiro ser quando está relacionada a questão da identificação para o crime. Situação aprendida desde pequenos nas casas e nos lares. A pesquisa constata essa denúncia que nós do Movimento Negro fazemos há muitos anos”, relaciona Iêda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU).
“É o sistema se retroalimentando das mesmas pessoas. Uma vez que [a pessoa] passou por um policial e foi fotografado, a partir de então o risco de estar nesse banco de dados é grande”, diz o defensor público Maurício Saporito
Novo estudo aponta para 14 erros em audiências desde 2021
Segundo o defensor público Maurício Saporito, um novo estudo independente aponta para 14 prisões com o indivíduo errado a partir do reconhecimento fotográfico. A busca faz parte de uma coleta individual baseada em audiências que ocorreram a partir de 2021. “É um catálogo, estou fazendo um compilado de dados. O que chama muito atenção para mim é uma média de prisão de 1-3 meses com reconhecimento fotográfico”, diz.
À vista de julgamentos mais justos, há o Projeto de Lei (PL) 676/2021, cuja função é tornar obrigatória a presença de dois ou mais suspeitos semelhantes ao acusado e a advertência de que o autor do crime pode não ser um dos apresentados. Aprovado no Senado, o texto está em revisão pela Câmara dos Deputados, que aguarda avaliação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
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por Redação 2JN – Correio24h
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