A atual boa maré do Pelourinho pode ser explicada por um movimento orgânico liderado por empreendedoras – em sua maioria mulheres e negras – que conseguiram renovar a gastronomia local com espaços “instagramavéis” – bons para fotos e compartilhamento nas redes sociais, com programação cultural conectada à proposta do bairro e gastronomia “afrodiasporíca”, atraindo um público jovem, engajado, negro e que é a cara da cidade.
O Pelourinho já tem tradição em unir cultura e gastronomia. Não deixam mentir a fama do restaurante Cantina da Lua, de Clarindo Silva, a capacidade de atração de turistas do Sorriso da Dadá ou mesmo o feijão da saudosa Alaíde. Tratam-se de locais especializados em comida regional baiana, feita como manda o figurino.
Neste especial de comemoração dos 473 anos de Salvador, o g1 Bahia apresenta o perfil de quatro estabelecimentos que comprovam a renovação do cardápio e do público do bairro, com ousadia e um toque de modernidade que não deixam de lado as exigência de ser estabelecimentos que têm como endereço um dos principais cartões postais do Brasil.
É o caso do requinte do Roma Negra, no largo do Cruzeiro de São Francisco; a descontração do Ó Pai Ó, no Terreiro de Jesus; o agito e os drinks ousados do Malembe, na Ladeira do Carmo; e a tradição do Zanzibar, agora em novo endereço, no Santo Antônio Além do Carmo.
Requintado e ancestral, Roma Negra quer contrariar fama de atendimento ruim em Salvador
O Pelourinho tem agora um estabelecimento que leva o nome de Salvador. Não o oficial, mas o nome dado na década de 1930 pela Yalorixá mãe Aninha, do terreiro Axé Opô Afonjá. Roma Negra, também cantada em músicas de Caetano Veloso e do Olodum, é desde novembro do ano passado é também símbolo de gastronomia e ambiente sofisticado defronte ao Cruzeiro de São Francisco.
“É impossível desvincular o nome com a música de Caetano, mas o nosso público, as pessoas pretas, sabem de quem estamos falando”, afirma Mônica Tavares, 41 anos, uma das sócias do restaurante.
“Foi muito sensível da parte de mãe Aninha, com um olhar mais vanguardista do que ela imaginava, apontar que mesmo com uma certa valorização do catolicismo, tínhamos um legado aqui nessa cidade. Ou seja, nós também tínhamos aqui em Salvador a nossa Roma, como os católicos, e ele era e é negra”, completa Mônica.
O restaurante comandado por Mônica trata de legado e para isso conta com um amplo painel com personalidades negras, grafites, pratos da culinária africana e a valorização de artistas locais.
“‘Linkamos’ o passado com esse momento de agora e temos certeza que há [na juventude] uma consciência despertada em termos de identidade, do que temos de valioso aqui em Salvador. Isso está nos pratos, nos insumos locais, nas nossas cachaças, nas nossas frutas, e isso é Salvador. Está tudo aqui”, apresenta Mônica.
No Roma, os pratos assinados pela chef Carolinna Esteves têm apresentação e componentes diferentes da habitual comida de dendê, mas o restaurante garante que são sabores familiares ao paladar local. São exemplos o Jamba, um arroz vermelho com especiarias e o Mulenga, um prato com quiabo e milho maçaricados servido na folha de bananeira.
Atualmente com DJs e apresentações ao vivo nos finais de semana, está nos planos das proprietárias a vontade de estabelecer na programação cultural uma noite dedicada ao Jazz, com aproveitamento do amplo salão para os clientes dançarem.
SERVIÇO
Restaurante Roma Negra
Endereço: Largo do Cruzeiro do São Francisco, n° 7, 1º andar – Pelourinho
Funcionamento: segunda a sábado, das 11h às 23h
Com samba de qualidade, Ó Paí Ó de Éric Brás se destaca no Terreiro de Jesus
O ator, apresentador de TV e cantor Érico Brás comanda o restaurante que leva o nome do famoso filme baiano de 2007, Ó Paí Ó. Aos 43 anos, Érico vive na ponte aérea Rio – Salvador e tem dedicado tempo ao negócio gastronômico, ajudando desde a montagem do cardápio à animação da clientela.
“Quem vem para Salvador quer saber o que o baiano come de verdade, no dia-a-dia, o sarapatel, o xinxim de bofe ou de galinha, o feijão fradinho, aquela comida de mainha”, explica Érico.
“Ao mesmo tempo, eu tenho chamado aqui de restaurante terreiro, é a comida de mainha, mas também do candomblé, por fazer a comida um ritual, que se mistura à dança e tudo mais. Eu sou Óba de Xangô e isso é algo importante pra mim”, completa.
O ator conta que, para a formulação dos pratos, ele mesmo se meteu na cozinha com chefs e os cinco funcionários que trabalham atualmente no preparo dos alimentos para uma espécie de laboratório de experimentações. Um dos destaques é o Acaçá, uma sobremesa que no Ó Paí Ó virou Acaçapaz de leite e ganhou melaço de cana, pedaços de coco e uma textura mais leitosa, de acordo com Érico.
Quem passa pelo casarão amarelo no Terreiro de Jesus pode despertar atenção ao restaurante também pela música ao vivo. As apresentações são um dos atrativos, tendo membros da banda Olodum como figuras carimbadas do local, como o cantor Lazinho.
Ó Paí Ó também é palco de novos talentos, como é o Samba Ohana. “É um grupo em que só mulheres tocam. É um samba que é coisa de louco, todo mundo tem que conhecer”, aposta Brás.
SERVIÇO
Restaurante Ó Paí Ó
Endereço: Largo Terreiro de Jesus, 4 – Pelourinho
Funcionamento: quinta à terça, das 11h às 20
O Malembe e sua coquetelaria autoral
Quando chegou em Salvador em 2016, vinda de Feira de Santana, a empresária Milena Moraes, hoje com 30 anos, teve dificuldade de encontrar um boteco para frequentar e só se divertir, sem estresses e sem se preocupar em ser quem se é.
“Como uma mulher negra, eu não me sentia acolhida. Você tem Salvador como uma cidade de 80% da população negra e parda e ao mesmo tempo havia uma carência de bares e restaurantes de predominância de pessoas negras consumindo”, explica Milena.
Essa ausência foi um dos incentivadores para ela ter, a partir de 2016, um bar para chamar de seu, e também das amigas Mônica Tavares, Daiane Menezes e Diana Rosa. O empreendimento comandado por essas quatro mulheres é o Malembe Food & Drinks, na Ladeira do Carmo.
“O Malembe é a cara de Salvador por conta de sua busca ancestral, de aquilombamento”, defende Milena. Essa proposta, por vezes, gera uma rápida associação do Malembe como o ‘Aparelha Luzia de Salvador’, em referência ao espaço cultural de aquilombamento urbano conhecido da capital paulista.
São um diferencial do estabelecimento os drinks autorais, desenhados principalmente pela gastrônoma Daiane Menezes. O “food” do nome é bem representado por itens obrigatórios de boteco, como o bolinho de feijoada, pratos da culinária regional baiana, além de agrados a veganos e fitness. Mas o que não falta mesmo nas mesas são os drinks, coloridos e com apresentação original.
Mesmo durante a pandemia o sucesso do estabelecimento se confirmou. O Malembe foi beneficiado, como tantos outros bares, pela permissão de uso de mesas na calçada e assim criou um burburinho na Ladeira do Carmo. Clientes de outros estabelec imentos que se fortaleceram com o efeito Malembe.
“Aqui era uma ladeira marginalizada e, certamente, a nossa chegada mudou muito isso”, afirma Milena.
Para a empresária, o cenário que encontrou em 2016 na cidade já não é mais o mesmo. Ela sabe reconhecer que hoje o Malembe não é o único representante dessa mudança.
“No passado, tínhamos festas de gastronomia, o Sankofa, alguns estabelecimentos que abriram portas pra gente, mas hoje a diversidade e a facilidade de você achar um lugar em que você vai aproveitar sem o medo de sofrer preconceito é muito maior”, acredita. “Temos hoje o Negro’s Bar [na Rua Gregório de Matos, no Pelourinho], por exemplo, o Pitaya, que fica na Pituba, o próprio Ó Paí Ó… E a gente não tem olhado esses estabelecimentos como concorrentes, muito pelo contrário, ficamos felizes pela mudança”, completa Milena.
SERVIÇO
Bar Malembe Food & Drinks
Endereço: Ladeira do Carmo, nº 7 – Santo Antônio
Funcionamento: Até 23h. Terça a sexta, a partir das 15h. Sábados e domingos, 12h
De casa nova, Zanzibar leva comida africana para o Santo Antônio Além do Carmo
Falar em espaço de aquilombamento através da gastronomia remete, há 43 anos, à história do Zanzibar. O restaurante das irmãs Neide e Ana Célia, conhecidas do movimento negro de Salvador, foi inaugurado no bairro do Garcia, já passou pelo Rio Vermelho, Ladeira da Misericórdia e Federação e recentemente foi reinaugurado no Santo Antônio Além do Carmo, agregando tradição a esse novo momento da gastornomia do Centro Histórico.
“Eu brinco que somos um restaurante itinerante e graças a Deus pra onde a gente vai o público acompanha por conta da nossa comida. Comida baiana se acha em muitos lugares, mas a comida africana que oferecemos só aqui”, orgulha-se a chef responsável pelo estabelecimento, Ana Célia Santos, 73 anos.
De acordo com Ana Célia, o Zanzibar é pioneiro entre os restaurantes de Salvador no uso de ingredientes como o inhame, banana da terra e batata doce, hoje bastante frequentes nos cardápios.
Mas por lá esses e outros elementos ganham com toque e inspiração de pratos de países como Angola e Benin, como o uso de bastante gengibre. “As pessoas aqui não voltam por conta da visão, de como são os pratos, voltam por esse diferencial do sabor”, afirma.
Por conta da pandemia, Ana conta que ainda tem sido difícil a logística de pensar eventos culturais no novo espaço, como a já conhecida Noite do Ajeum realizada pelo Zanzibar, mas estão nos planos aproveitar o agito do novo endereço para a realização de festivais.
SERVIÇO
Restaurante Zanzibar
Endereço: Rua Direita de Santo Antônio, 60-B – Santo Antônio Além do Carmo
Funcionamento: Abre 12h. Quarta até 18h, quinta a sábado até 22h, domingo até 20h
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por g1BA
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