A visita às aldeias indígenas no extremo Sul da Bahia, esta semana, não saiu como planejada por Tâmara Azevedo. “Eu não imaginava que fosse enterrar uma criança”, contou ao se referir a Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, morto durante ataque de homens armados a uma aldeia próxima à cidade de Prado. A candidata do PSOL ao Senado diz que não se trata de caso isolado, mas o retrato de um Brasil em completo caos conduzido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como o grande incentivador da violência.
Nascida em Salvador, Tâmara Azevedo Cardoso tem 49 anos, é formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e atua profissionalmente na área de turismo. Ela Já trabalhou na Fundação Gregório de Mattos e estabeleceu vínculos também no setor cultural. Após concorrer pela primeira vez a um cargo eletivo em 2008, quando tentou uma vaga na Câmara Municipal, faz agora sua estreia na disputa ao Senado, para combater o “avanço radical das forças conservadoras”. Se em 1989, ainda adolescente, militou na primeira candidatura de Lula à presidência da República, pretende no próximo ano reforçar o apoio ao petista no Congresso Nacional, para que ele “reconstrua o Brasil”.
Em mais uma rodada de entrevista de A TARDE com os postulantes da Bahia ao Senado, Tâmara Azevedo afirmou que a lei trabalhista aprovada ainda no governo Temer é uma grande mentira e que o orçamento secreto, utilizado para cooptar parlamentares que dão sustentação a Bolsonaro, é o maior estelionato da política brasileira. Autodeclarada única candidata de esquerda concorrendo contra adversários do centrão, ela quer ajudar a derrubar o teto de gastos e levar demandas populares para Brasília. “O povo está precisando se ver no poder”.
A senhora passou o feriado da Independência em agenda no extremo Sul da Bahia e presenciou a violência contra indígenas. Qual cenário encontrou por lá?
Eu estava em áreas de conflito indígena, onde tiraram a vida de um jovem de 14 anos. Quando eu fiz minha agenda, eu não imaginava que fosse enterrar uma criança. Infelizmente, quando eu cheguei e fui visitar outras duas aldeias, aconteceu o assassinato de Gustavo, em Comexatibá [terra indígena próxima de Prado]. Um menino que durante um ataque à aldeia se desesperou, saiu correndo de casa e foi baleado. Um monte de marcas de bala espalhadas pelo local. Uma cena revoltante. E a Polícia Federal não aparece. A Funai [Fundação Nacional do Índio] não se manifesta, mesmo isso estando até na mídia internacional. E a gente precisa de providência. Depois do enterro, atacaram de novo a aldeia. Quando Bolsonaro disse que não iria demarcar um centímetro de terra indígena, ele cumpriu. Todas as terras em processos de demarcação estão vulneráveis porque a maior parte dos fazendeiros voltou para as áreas. Eles se reinstalaram com a nova lei de que ‘você ocupa e depois vai dizer que é dono da terra’. Não é terra devoluta, estão em processo de demarcação e não pertencem ao estado. Agora, eles querem avançar em três áreas. Um juiz de Eunápolis deu a retomada de posse para um fazendeiro. Não pode. Um juiz não pode agir assim, é um processo federal. Enquanto isso, os bolsonaristas estão lá soltos, matando criança, fazendo emboscada e cercando aldeia.
Apesar de ter passado o feriado numa área mais isolada, de que forma a senhora avalia, como candidata ao Senado, o Sete de Setembro, a partir dos acontecimentos envolvendo Bolsonaro no desfile de Brasília?
Bastante vergonhoso para nossa nação que um presidente se porte desta forma, falando tantas bobagens, tirando inclusive do povo brasileiro a possibilidade de festejar a Independência. Ele se acha dono do 7 de Setembro. É difícil até para a gente falar, enquanto mulher, do que esse homem é capaz de produzir em larga escala. A gente vê uma taxa de feminicídio escandalosa acontecendo, morte de jovens, negros. Há um avanço radical das forças conservadores, falta de respeito com o próximo, o que não é nada cristão. Esse período que estamos passando, do aumento da violência, é todo estimulado pelo discurso do presidente. Ele é o responsável por esse grande caos social que estamos vivendo. Eles se acham donos da bandeira brasileira, do território, falando por uma parte da população e colocando o restante do povo fora das ruas. Eu vi no Sul da Bahia as grandes Hilux, todo mundo de verde e amarelo, bandeiras do Brasil espalhadas em fazendas, nos caminhões, tudo organizado dentro de um universo de intimidação, porque várias pessoas que não concordam com isso deixaram de levar seus filhos ao 7 de Setembro, uma data cívica que deveria ser de toda a nação.
Em relação às principais candidaturas da Bahia ao Senado, a da senhora é a que possui menos recursos financeiros e menor tempo de rádio e TV. Como é concorrer num cenário como este, contra adversários mais conhecidos e com maior estrutura?
Não é fácil. Eu estou concorrendo contra três candidatos do centrão que vivem pendurados nos poderosos. São três candidatos do centrão contra uma candidatura de esquerda. Eles se organizaram para se manter no poder. O que é o orçamento secreto? O maior estelionato da política brasileira. É um escândalo. Centraliza nas mãos do Arthur Lira todas as decisões em relação às emendas parlamentares. Ele está distribuindo bilhões para deputados e senadores que estão do lado de Bolsonaro. Então, toda a estrutura que está aí foi montada para eleger os de sempre, com muito dinheiro para gastar. O nosso fundo partidário, que é de R$ 450 mil para realizar a campanha ao Senado, em nada se assemelha ao R$ 1 milhão de Raíssa, aos R$ 3,9 milhões de Otto Alencar e mais de R$ 2 milhões de Cacá Leão. É uma luta muito desigual.
Por que a senhora resolveu se candidatar ao Senado?
Eu optei por aceitar o convite do meu partido, de colocar meu nome à disposição do povo da Bahia, principalmente porque este ano tem o maior desafio de nossas vidas enquanto brasileiros, que é derrotar o bolsonarismo, que é retirar a extrema direita do poder e trazer o Brasil para o desenvolvimento sustentável, que ele estava a caminho e acabou se desviando. E, lastimavelmente, eu sou a única candidata de esquerda. Eu não gostaria. Eu gostaria que houvesse outros nomes para que a gente tivesse um debate qualificado. Essa turma [os adversários] é um saco vazio, não tem compromisso nenhum com o povo, e tem limitações, como a ‘doutora cloroquina’, que acha que tem que ser senadora de um só nicho da sociedade, ou os dois que se travestem em pele de cordeiro, duas figuras que em nada conseguem transformar a realidade do nosso povo.
Quais suas prioridades, caso eleita?
Primeira de tudo, a missão é dar suporte ao presidente Lula para realizar as mudanças que o Brasil precisa. E quando a gente fala o Brasil é o Brasil dessa população desfavorecida, que está voltando para a linha da fome, num país que é o segundo maior exportador de alimentos do mundo. O grande desafio é garantir que Lula reconstrua o Brasil, reconstrua as instituições brasileiras, que foram totalmente desmontadas, como é o caso do Ministério da Cultura. Como é o caso da FUNAI, que deveria estar defendendo os indígenas e hoje é uma instituição que é contra o povo indígena. Como é o caso da Fundação Palmares, que deveria estar salvaguardando a memória do povo negro e hoje retira os nossos heróis das nossas vistas. Precisamos também revogar o teto de gastos, revogar a lei trabalhista, que foi colocada como uma grande solução para o emprego do Brasil, mas se mostrou uma grande mentira, que só levou o trabalhador para uma situação limite.
O racismo estrutural é uma realidade no Brasil. Como a senhora avalia o combate ao preconceito e à desigualdade, principalmente na política?
A gente já começa a lutar contra o racismo desde o dia em que nasce. Na escola pela primeira vez, dentro da família, com o vizinho, não é fácil ser negro na Bahia e no Brasil. Temos um racismo estrutural bem instalado dentro de uma mentalidade colonialista ainda, que se parece um pouco com a forma do Congresso Nacional, onde a gente vê aqueles homens brancos o tempo todo garantindo benesses para o seu grupo e esquecendo do restante do povo. Nós temos 82% da população negra. Temos que usar nosso voto como arma. O Estado tem dificuldade de chegar até a população porque ele foi moldado a atender as demandas empresariais e não sociais. Tão cruel quanto racismo é o sexismo, a misoginia. A gente sabe que a violência política em relação à mulher é gigantesca nos espaços de poder. Mas a gente não tem medo disso. Quanto mais dizem que não é espaço para mulher, mais estimula a gente a buscar o que é nosso. Nós vamos, sim, ter um desempenho totalmente diferenciado no Senado, levando as demandas populares e legislando pelo povo da Bahia e do Brasil.
Como a senhora se diz a única candidata de esquerda, não foi possível para o PSOL compor com o PT e aliados uma candidatura única neste campo político?
Não somos oposição ao governo Rui Costa, mas temos uma visão crítica em relação ao governo. De 2020 para cá, a composição do governo mudou muito, principalmente porque Otto e Leão, cada partido desse, ficou com mais de cento e tantas prefeituras, diminuindo o tamanho do PT, e deixando o PT refém dessas lideranças. Um migrou para o nicho de sempre, do Carlismo, no caso de Leão, que rompeu mesmo sendo vice-governador. Otto Alencar se manteve tão bem que nós vimos gente dentro do governo defendendo o nome dele para governador. Isso foi escandaloso. Então, nosso partido colocou o nome do Kleber Rosa ao governo para que a sociedade baiana saia dessa polarização entre PT e União Brasil, para que a gente tenha uma alternativa clara. Primeiro candidato ao governo do estado negro. Com a cara do povo. E no caso do Senado, nós jamais iríamos apoiar um partido do centrão. Essas são as questões que nos distanciam nesse momento.
O que a população pode esperar do seu mandato?
O povo está precisando se ver no poder. É preciso que tenhamos garantidas nossas bandeiras de luta. Os outros candidatos não têm as mesmas características que a nossa população e não tem condição de fazer. Eu trago essas características, de levar debates fundamentais para a juventude, para as mulheres. Sou uma candidata diferenciada, porque escolhemos dizer a verdade. E queremos trazer essas discussões para a população. Nesse momento, a gente quer chamar o povo da Bahia para uma grande reflexão e usar o voto a seu favor. Nosso grande apelo é sobre a representatividade. Eu sei a dificuldade do meu povo, eu acompanho isso todo dia. O baiano, o brasileiro, precisa voltar a sorrir, chegar final de semana, tomar sua cerveja, fazer seu churrasco e se divertir, como sempre se divertiu. Hoje a gente não tem mais paz. O povo da Bahia precisa realizar essa troca, essa mudança e a gente vem para eleição se colocando exatamente para transformar essa realidade.
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por Redação 2JN – atarde
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